Decreto permite a compra e posse de até
quatro armas de fogo
Publicado em: 16/01/2019 Atualizado
O decreto que flexibiliza as regras para a posse de armas de fogo
libera, de forma imediata, o acesso ao armamento para pelo menos 60 milhões de
brasileiros. A medida coloca em jogo as estratégias de segurança pública e
podem lançar o Brasil em meio a um caminho incerto para combater a
violência.
A mudança nas regras sobre o acesso as armas representa uma promessa de
campanha do presidente Jair Bolsonaro. Ele alega que desta forma as pessoas
poderão se defender da violência e inibir o crime organizado.
Um cruzamento de dados, realizado pelo Correio, com base no cadastro
nacional de habilitados e em informações levantadas pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), revela que 60 milhões de brasileiros, com mais de 25 anos, estão
psicologicamente aptos e não respondem ações penais na Justiça. Mas este número
pode ser bem maior, pois o dado usado se refere ao número de motoristas
habilitados e exclui o de pessoas que respondem por crime ou já foram
condenados em ações penais.
Para obter a Carteira Nacional de Habilitação, é necessário que o
motorista realize teste de aptidão psicológica, semelhante ao que será aplicado
para obter a posse de arma. Para motorista, o exame deve ser repetido a cada 5
anos, para renovação da autorização para dirigir.
De acordo com dados do “Relatório Justiça em Números”, de 2017, no ano
anterior a divulgação dos dados, 3 milhões de novos casos criminais ingressaram
na Justiça, sendo que 1,4 milhão de execuções penais estavam pendentes de
cumprimento ao final do mesmo ano.
Riscos
Diversos estudos projetam um cenário possível caso o número de armas em
circulação aumente no país. Atualmente, as forças de segurança têm grande
dificuldade em impedir a entrada de armas de fogo pelos 17 mil quilômetros de
fronteira terrestre.
“Invasão” estrangeira
A bilionária indústria do setor de armas já se prepara para ganhar
espaço no território nacional.
Uma audiência pública realizada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no
dia 18 de outubro do ano passado, na sede da instituição, no Setor Policial Sul
de Brasília, contou com a participação de nove empresas. Na ata da reunião
estava o nome de representantes de empresas de diversos países.
De acordo com o documento, o encontro teve como objetivo avaliar a
capacidade nacional e internacional para o fornecimento de armas voltadas para
instituições brasileiras.
No local, além de empresas brasileiras, como a Taurus e a estatal Imbel,
compareceram representantes de fabricantes como a Glock (Áustria), Beretta
(Itália), Smith & Wesson (EUA), Sig Sauer (Alemanha) e CZ (Tcheca).
Atualmente, a Taurus mantém o monopólio da indústria de armas no país.
essa arma”, disse Jair Bolsonaro com uma caneta em mão, antes de assinar
o decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo no país. Com 15 dias de
governo, o presidente celebrou a medida elaborada por “pessoas de bem para
cidadãos de bem” em uma cerimônia no Palácio do Planalto. Durante o discurso, o
chefe do Executivo criticou governos anteriores e ressaltou a importância do
dispositivo, que concederá à população o “direito de legítima defesa”, que,
segundo ele, foi pedido nas urnas com a vitória dele. A decisão, publicada em
uma edição extra do Diário Oficial da União, tem efeito imediato.
De acordo com Bolsonaro, o Estado entendeu que havia um problema na lei
referente à comprovação da efetiva necessidade de se obter o registro do
armamento, que “beirava a subjetividade” — ele faz menção à avaliação da
Polícia Federal, pois cabia a delegados da corporação conceder ou não a posse.
“O que nós estamos fazendo aqui nada mais é do que restabelecer um direito
deferido nas urnas por ocasião do Referendo de 2005, do qual, infelizmente, o
governo à época buscou maneira em decretos e portarias a negar-lhes esse
direito. O povo decidiu por comprar armas e munições, e nós não podemos negar o
que o povo quis naquele momento”, disse. Ele se referiu à consulta popular em
que foi rejeitada a proibição da comercialização de armas e munição. O
presidente esclareceu ainda que o decreto trata apenas da posse de armas e que,
para outros efeitos, como o porte de armas, novas medidas seriam pensadas no
Legislativo.
O decreto assinado, ontem, prevê o aumento do prazo de validade do
registro de posse de arma de cinco para 10 anos. A medida vale, inclusive, para
aqueles que têm o registro em vigor, mas obtido na antiga legislação. A
permissão, então, é automaticamente renovada por uma década. Além disso, é permitida
a compra de até quatro armas por pessoa, com exceção daquelas que comprovarem a
necessidade de obter mais armamentos além do previsto, como as pessoas com
grande número de propriedades.
O documento contempla ainda residentes de “cidades violentas”, com mais
de 10 homicídios por 100 mil habitantes, e de áreas rurais. Na prática,
Bolsonaro anulou um dispositivo legal, que era o da comprovação da necessidade.
Isso porque o critério utilizado pelo governo é o das taxas de homicídios dos
estados em vez dos municípios. Praticamente todo o país foi incluído, segundo o
Anuário da Violência 2018, que consta no decreto como referência dos dados.
Para se ter uma ideia, o estado que registrou a menor taxa foi São Paulo e,
ainda assim, teve 10,7 mortes a cada 100 mil habitantes em 2017. A média do
Brasil foi de 10,8.
Em entrevista ao Correio, o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse que
o governo está dando a posse para o cidadão. “Ele não vai sair com aquela arma
na mão. Vai ter a posse para defender a integridade do lar dele ou a
propriedade dele”, frisou. “Arma é um objeto caro. Não é qualquer um que vai
comprar uma arma. Isso não vai contribuir para o aumento da violência.”
Abertura de mercado
Após a assinatura do decreto, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni,
disse que, para o futuro, o governo pensa em medidas de abertura do mercado de
armas no país. “Isso está em estudo. A gente sempre lembra que deveria haver a
instalação de fábricas aqui no Brasil, na maioria dos países, essa é uma
condicionante para a competição, então, o governo pensa dessa forma para poder
receber aqui novas fábricas. E aí, trazem tecnologia para o país, trazem novos
empregos, investimentos”, declarou, durante uma conversa com jornalistas.
Lorenzoni ainda afirmou que está em análise a possibilidade de redução de
impostos e alíquotas para compradores de armas.
O professor Conrado Gontijo, especialista em direito penal da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), explicou que a posse de armas de fogo é emitida
especificamente para cada equipamento e que o cidadão que fizer a solicitação
ficará responsável pelo material que adquirir. O especialista ressaltou que as
alterações feitas por Bolsonaro facilitam apenas a posse, e quem se deslocar
com armas sem autorização responderá penalmente. “O decreto não autoriza que
circule com a arma. O mesmo vale para o carro, que não é o local de moradia.
Então, quem for pego armado no trânsito, por exemplo, sem porte, responderá
criminalmente”, emendou.
Para Flávio Werneck, especialista em segurança pública e presidente do
Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal (Sindipol-DF), o documento
editado pelo presidente se baseia em argumentos sólidos. “O decreto tem um viés
muito positivo. Ele deixa claro quais os requisitos legais, além de ter usado o
critério da ONU (Organização das Nações Unidas) para definir ‘violência’, que é
esse de 10 homicídios por 100 mil habitantes”, ressaltou. “Além disso, tirando
os critérios subjetivos que existiam na legislação, como a interpretação do
delegado sobre a estrita necessidade, diminui a capacidade de corrupção no
órgão.”
Aposta na "boa-fé"
O governo federal confiará na “boa-fé” do cidadão que alegar ter cofre
ou local seguro para armazenar armas em casas com crianças, adolescentes ou
pessoas com deficiência mental. Segundo o ministro da Casa Civil, Onyx
Lorenzoni, não haverá medidas de fiscalização para garantir a guarda segura do
armamento. “Vocês vão lembrar que o plano de governo de Bolsonaro seria o
primeiro em que o cidadão chegaria diante da autoridade pública e teria a
verdade com ele. Ele declarará, a princípio, que tem um cofre ou um
compartimento com tranca. E isso estará valendo”, frisou
Para o ministro, a não fiscalização por parte do Estado tem até um
“efeito pedagógico”. Ele reconheceu que crianças podem, eventualmente, quebrar
regras, mas afirmou que cabe aos pais reforçar a “educação e a orientação” de
não mexer no armamento. Ele usou como exemplo um acidente doméstico envolvendo
uma criança e um liquidificador. “Quem tem criança pequena, adolescentes ou
pessoas com deficiência mental tem que ter um cuidado redobrado dentro de casa.
Às vezes, a gente vê criança pequena que coloca o dedo no liquidificador, liga
o liquidificador, vai lá e perde o dedinho. E daí, nós vamos proibir o
liquidificador? É uma questão de educação e de orientação. Nós colocamos isso
(no texto do decreto) para, mais uma vez, alertar e proteger as crianças e os
adolescentes”, complementou.
A consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Isabel Figueiredo
afirmou que as alterações na lei são preocupantes. “É uma decisão que não tem
base técnica robusta. Temos diversos levantamentos que apontam que o aumento da
circulação de armas de fogo eleva os índices de delitos contra a vida”,
explicou. A especialista citou como exemplo um estudo apontando que uma casa
onde existe uma arma tem cinco vezes mais chances de ser palco de um suicídio
ou homicídio. “Diante da polaridade em que vivemos, não me surpreenderiam com
um aumento da violência em curto prazo.”
Figueiredo também critica o trecho do texto que trata das residências
onde vivem crianças, adolescentes e portadores de necessidades especiais, que
precisam ter cofre. “O governo decidiu que basta a pessoa atestar que tem esse
cofre. Não haverá fiscalização, até mesmo por não ser possível vigiar todo
mundo. Nem sequer foi pensada uma forma de garantir que as pessoas estão
falando a verdade na hora da declaração”, completou.
Novo alvo: o porte
O próximo passo do governo é tentar aprovar no Congresso projetos que
flexibilizam o porte de armas. “Quanto ao porte, já temos um conjunto de
projetos na Câmara, suficientes para resolver isso”, disse Lorenzoni, afirmando
que o governo vai tentar conseguir urgência na apreciação.
O projeto de lei 3.722/2012, do deputado Rogério Peninha Mendonça
(MDB-SC), promove a mudança mais radical em relação ao setor. A proposta
pretende revogar o Estatuto do Desarmamento, que proíbe o porte de armas,
exceto para profissionais de segurança pública e funcionárias de empresas
privadas de vigilância. O texto está pronto para ser votado em plenário desde
2015. Há outros 97 projetos sobre o mesmo assunto.
O que é posse de arma?
Após obtenção de certificado de registro, a pessoa pode manter em casa
ou em seu local de trabalho, desde que seja o responsável legal pelo
estabelecimento. Não é permitido sair com a arma. O interessado deve ter mais
de 25 anos, comprovar que tem ocupação lícita e residência certa. Também
precisa de comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o
manuseio de arma de fogo.
E qual a diferença para o porte?
De acordo com a Lei nº 10.826, o porte de armas é permitido aos agentes
de segurança pública, integrantes das Forças Armadas, policiais, agentes de
inteligência e agentes de segurança privada. Civis não podem ter porte de arma,
exceto se, comprovadamente, tiver a vida ameaçada.
Qual a pena para posse irregular de arma de fogo de uso permitido?
A pena é de um a três anos de detenção e multa.
Qual a pena para quem tem posse de arma e deixa de impedir que menores
de 18 anos ou pessoas deficientes tenha acesso à arma?
É de um a dois anos de detenção e multa.
O que deve ser feito em casos de perda, roubo ou furto de arma ou
munição?
Deve-se registrar ocorrência policial e comunicar o fato à Polícia
Federal nas primeiras 24 horas após o ocorrido.
Em quais situações o porte pode ser cassado?
Caso o portador ande armado em estado de embriaguez, sob efeito de
drogas ou remédios que afetem a capacidade intelectual ou motora.
O que muda com a edição do decreto?
O decreto diz respeito apenas à posse de armas e pretende deixar mais
objetiva a análise pela da Polícia Federal do requerimento para concessão de
autorização para compra de arma de fogo. Também amplia o prazo para renovação
do certificado de registro. Pelo decreto, considera-se a efetiva necessidade
para aquisição de armas nas seguintes hipóteses: morar em cidade ou Estado onde
a taxa de homicídios seja superior a 10 para cada 100 mil habitantes; morar em
áreas rurais; ser proprietário de estabelecimentos comerciais ou industriais;
militares, incluídos os inativos; ser agente público que exerce funções da área
de segurança pública, administração penitenciária, integrantes do sistema
socioeducativo lotados nas unidades de internação, da Agência Brasileira de
Inteligência e no exercício do poder de polícia administrativa e correcional em
caráter permanente; ser colecionador, atirador e caçador, devidamente
registrado no Exército.
Quantas armas posso ter registradas em meu nome?
Não existe previsão legal estabelecendo limitação de quantidade de armas
a serem registradas por indivíduo. O decreto presidencial considera presente a
efetiva necessidade para algumas situações, limitada à aquisição de até quatro
armas. Mas caso estes indivíduos tenham interesse em adquirir mais armas,
deverão comprovar a efetiva necessidade.
Se eu tiver a necessidade de mais de quatro armas registradas, posso
conseguir?
Sim, desde que demonstrada a necessidade em cada caso.
As pessoas poderão ter em casa fuzis, metralhadoras ou armas
automáticas?
Não, o decreto somente facilita a posse de armas de uso permitido e não
inclui armas de uso restrito, como armas automáticas ou fuzis.
Quem perdeu o prazo de anos anteriores para regularização das suas armas
poderá ser anistiado?
O decreto não prevê anistia para quem perdeu o prazo para
recadastramento, que acabou em 2009. Essa medida demandaria alteração legislativa,
o que só poderia ser feito por meio de lei. O que prevê o decreto é a renovação
automática dos certificados de registro de arma de fogo expedidos pela Polícia
Federal.
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