Um dos blocos mais tradicionais do Recife, fundado há
quase 87 anos, o Batutas de São José tem muitas dívidas e não vai às ruas neste
Carnaval
Publicado em 16/02/2019
Desde a fachada caiada de azul, na rua sem
calçamento, o prédio que abriga o Bloco Carnavalesco Misto Batutas de São José
espelha ausência e silêncio. Não há nada que identique a sede, inaugurada, no
bairro de Afogados, em 1998. O local precisa de reforma, não tem licenças nem
alvarás para funcionamento. Lá dentro, no salão quase vazio, apenas três
integrantes do bloco, todas mulheres, se dispuseram a confessar as diculdades
enfrentadas.
“A única coisa que a gente tem que dizer é que Batutas faliu”,
resume Severina Ramos, vice-presidente do bloco, que não estará nas ruas do
Recife neste Carnaval 2019. Fantasias que enfeitaram passarelas e alegraram
brincantes estão hoje guardadas em grandes sacos, numa sala fechada no prédio
sede. O mesmo espaço abriga também a materialização das glórias da agremiação:
são diversos os troféus conquistados. “Entrar aqui e ver tudo embalado dá uma
tristeza”, confessa Lígia Mendes, uma das diretoras. Leia Também Nadira, a alma
de Batutas de São José, é amor antigo ao Carnaval Batutas de São José Carnaval 2019 bloco Em
2013, emocionada, ela passou mal na passarela enquanto deslava. Ficar longe do
Carnaval não é fácil para Lígia. “Já deslei de bengala, com gesso na perna,
numa cadeira de rodas...”
E completa: “Não bebo, não fumo, não danço. Mas
Carnaval pra mim é tudo. E amo o Batutas”. Lígia é também a atual responsável
pela contabilidade da agremiação. Mas nem ela nem nenhum dos integrantes
consegue cravar o tamanho real dos débitos. Dívidas com três ex-garçons,
resultados de processos trabalhistas que correram à revelia, somam cerca de R$
170 mil. A conta de IPTU somaria quase R$ 800 mil. E há mais débitos com o
Corpo de Bombeiros. “Deve chegar a R$ 1 milhão”, arrisca Severina, a atual
vicepresidente. O dinheiro arrecadado pelo grupo, quando havia festas na sede,
era conscado. Eles também não receberam o último prêmio conquistado, no
Carnaval de 2017. “Não recebemos a cota da prefeitura, o prêmio também foi
desviado pra pagar os garçons da questão na justiça. Todo o dinheiro que entra
é conscado. Hoje Batutas deve a costureiras, músicos da orquestra, aos garçons.
Deve a Deus e todo mundo”, sintetiza Severina. “Os hinos de Batutas abrem o
Carnaval do Recife. É um bloco que tem tradição, história. É muito triste ver
tudo assim”, reforça Cristiane Gomes, também da direção. “É doloroso.” Filha de
João Cristiano Gomes, o Joca de Batutas, que morreu em 2013, ela relembra a
intimidade da família com o bloco: “Meu pai me ninava com os hinos de Batutas”.
Revela ainda que seu Joca, que morreu em 2013, priorizava sempre a agremiação:
vez ou outra faltava comida para os 24 lhos - o dinheiro de seu Joca tinha ido
para o Batutas. Cristiane rememora também os tempos de salão cheio, quando
autoridades, artistas e políticos frequentavam o local. “Queria que o prefeito,
as pessoas que amavam o bloco, que viviam aqui, se lembrem de Batutas de São
José. Que não deixem esse bloco tradicional morrer”, apela. “Que a gente não
que só na história, sendo cantado pelo Bloco da Saudade, como algo que já
passou.” FEITIÇO O passado de Batutas é glorioso.
“Eu quero entrar na folia,
meu bem/ você sabe lá o que é isso/Batutas de São José, isso é parece que tem
feitiço”, são versos de João Santiago, um dos grandes do Carnaval e da cultura
de Pernambuco. Levino Ferreira, Edgard Moraes e Nelson Ferreira também passaram
pela agremiação. Fundado no Pátio de São Pedro, em 5 de junho de 1932, o Bloco
Carnavalesco Misto Batutas de São José nasceu como dissidência do Batutas da
Boa Vista. Durante anos a o, ostentou o título de “o mais antigo bloco
carnavalesco misto em atividade ininterrupta do Recife”. Os integrantes que
seguem resistindo têm muitos sonhos: tentam que Batutas de São José seja
reconhecido como Patrimônio Vivo de Pernambuco, o que garantiria uma renda xa
mensal. Querem voltar a ver o bloco na avenida. Querem dançar e cantar pelas
ruas, novamente, os versos do frevocanção “não deixem morrer Batutas/não deixem
Batutas morrer”. É Severina quem naliza: “Batutas não vai morrer. Até porque
Deus vai estar conosco. Eu sei que Deus não é carnavalesco, mas vai estar
conosco”.
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