Publicado em: 18/11/2018 12:05 Atualizado
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Promessa de campanha do
presidente eleito, Jair Bolsonaro, a revogação do Estatuto do Desarmamento deve
ganhar força com a posse dos novos parlamentares, em fevereiro. A medida, uma
das mais polêmicas em debate na vida política nacional e na sociedade, coloca
em jogo as estratégias de segurança pública e pode lançar o Brasil num caminho
incerto no enfrentamento da violência. Especialistas criticam a iniciativa,
apontando que as estratégias para combater o crime devem passar por melhorias
no sistema de investigação, pelo aumento do efetivo policial e pelo avanço nas
políticas sociais. Nos bastidores, deputados e senadores desta e da próxima
legislatura se articulam para fazer a proposta avançar.
Um cruzamento de dados, realizado pelo Correio, com base no cadastro
nacional de habilitados e em informações levantadas pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), mostra que se o projeto de lei que trata do assunto for aprovado
no Congresso, pelo menos 63 milhões de brasileiros estarão aptos a comprar uma
arma de fogo. Atualmente, a mais avançada proposta que pretende revogar as leis
que endurecem a obtenção de porte de armas é o projeto de lei 3.722/2012, de
autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC). O texto está pronto para
ser votado em plenário. Há mais 97 propostas sobre o assunto.
Pelo projeto, para conseguir posse de arma de fogo é necessário ter 21
anos completos e realizar teste de aptidão psicológica. Outro requisito é não
ser alvo de acusação na Justiça ou investigação por crime doloso. Esses pontos
podem ser alterados durante a votação no plenário. De acordo com o Departamento
Nacional de Trânsito (Denatran), o Brasil tem mais de 66 milhões de pessoas com
mais de 21 anos autorizadas a dirigir.
Para obter a Carteira Nacional de Habilitação, é necessário que o
motorista realize teste de aptidão psicológica, semelhante ao que seria
aplicado para obter a posse de arma, caso ocorra a flexibilização das regras. O
motorista deve repetir o exame a cada cinco anos para renovação da autorização
para dirigir.
De acordo com dados do “Relatório Justiça em Números”, em 2016, 3
milhões de novos casos criminais ingressaram na Justiça, sendo que 1,4 milhão
de execuções penais estavam pendentes de cumprimento ao fim do mesmo ano.
Pelo Twitter, Rogério Peninha Mendonça disse que foi procurado por Jair
Bolsonaro, que pediu que a apreciação da proposta fosse adiada até que
deputados e senadores eleitos tomem posse. “Acabo de receber ligação do presidente
Jair Bolsonaro. Ele concordou em deixarmos para o ano que vem a votação do
projeto de minha autoria que revoga o Estatuto do Desarmamento”, escreveu. Na
próxima legislatura, que assume em fevereiro, o partido de Bolsonaro, o PSL,
será a segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados, ficando atrás apenas
do PT, que tem 56 cadeiras.
Riscos
Diversos estudos projetam um cenário possível, caso o número de armas em
circulação aumente no país. Atualmente, as forças de segurança têm grande
dificuldade de impedir a entrada de armas de fogo pelos 17 mil quilômetros de
fronteira terrestre. O especialista Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da
Paz, destaca que existe uma ligação clara entre o aumento do número de armas na
sociedade e o crescimento da violência. “Essa correlação já foi comprovada
cientificamente. Quanto mais facilitada é a posse de armas, maior a violência
letal”, frisa. “Estudo realizado pelo instituto apontou que 64% das armas
apreendidas em 2011 e 2012 em São Paulo tinham sido fabricadas antes do
Estatuto do Desarmamento”, diz.
De acordo com dados do Mapa da Violência, em 1980 foram registradas
6.104 mortes intencionais por armas de fogo. Na época, de acordo com o IBGE, o
país tinha 120 milhões de habitantes, frente os 208 milhões atuais. Em 2003,
ano em que o estatuto foi aprovado, esse número fechou em 36.115. A taxa de
crescimento de assassinatos do tipo durante o período (1980-2003), foi de 8,1%
ao ano. Entre 2003 e 2014, o índice subiu 2,2%. Os últimos dados, do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, revelam que entre 2016 e 2017, o número de
mortes intencionais por arma de fogo cresceu 2,9%. De fato, o estatuto não
provocou queda no número de mortes violentas, mas desacelerou o crescimento
deste tipo de crime.
“Invasão” estrangeira
A bilionária indústria do setor de armas já se prepara para avançar
sobre o território nacional. Atualmente, apenas profissionais de segurança
pública, procuradores, juízes, vigilantes em serviço, guardas municipais e
outros grupos menores têm acesso facilitado à posse e porte de armas. Mas a
abertura de mercado, tanto nas forças de segurança quanto no meio privado,
atrai a cobiça de grandes empresas armamentistas.
Uma audiência pública realizada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em
18 de outubro do ano passado, na sede da instituição, contou com a participação
de nove empresas. Na ata da reunião estava o nome de representantes de empresas
de diversos países.
De acordo com o documento, o encontro teve como objetivo avaliar a
capacidade nacional e internacional para o fornecimento de armas voltadas a
instituições brasileiras. No local, além de empresas brasileiras, como a Taurus
e a estatal Imbel, compareceram representantes de fabricantes, como Glock
(Áustria), Beretta (Itália), Smith & Wesson (EUA), Sig Sauer (Alemanha) e
CZ (Tcheca). Atualmente, a Taurus mantém o monopólio da indústria de armas no
país, mas esse cenário pode mudar, à medida que interlocutores de Bolsonaro
afirmam que ele pretende abrir o mercado brasileiro para o mundo.
Sem preocupação
O presidente da Taurus, Salesio Nuhs, prevê aumento na demanda pelos
equipamentos. “Independentemente de mudanças no Estatuto do Desarmamento,
acreditamos que a eleição do novo presidente, certamente, vai aumentar a
procura dos cidadãos brasileiros por armas de fogo para legítima defesa,
proteção da família e da propriedade. Isso porque, na prática, a maioria da
população desconhecia que era possível comprar armas de fogo no Brasil”,
destaca.
Salésio também relata não se preocupar com a entrada de fornecedores
estrangeiros no mercado nacional. “A Taurus é uma empresa global, exporta para
mais de 85 países, portanto; compete com as maiores empresas de armas nos
mercados de exportação, que são extremamente competitivos, e está entre as
maiores fornecedoras do mercado dos EUA”, disse.
Desarmamento na mira
O PL 3722/2012, que avança na Câmara, revoga o Estatuto do Desarmamento
e pode permitir o acesso de milhões de brasileiros
a arma de fogo. Veja o que prevê o texto:
Requisitos
» Ser maior de 21 anos
» Não ter condenação por crime doloso
» Não ser alvo de investigação criminal (com dolo)
» Passar em teste psicológico
» Realizar curso de tiro
Cenário atual
» Portadores de Carteira de Habilitação com mais de 21 anos: 66.610.131
» Alvos de ações criminais em 2016: 3 milhões
» Em média 2,5 milhões de novos casos criminais deram entrada na Justiça
por ano
Arsenal
» O Brasil possui 8,5 milhões de armas ilegais circulando nos estados,
de acordo com projeções de especialistas
» 3,8 milhões dessas armas estão nas mãos de criminosos e são usadas em
assaltos, homicídios e sequestros
» Em todo o país, 6,8 milhões de armas registradas estão circulando de
forma legal. Esse número inclui o armamento de polícias, empresas privadas,
colecionadores, caçadores e cidadãos que têm arma para se proteger
» 119.484 armas de fogo foram apreendidas pelas forças de segurança em
2017
» 94,9% das armas apreendidas no ano não estavam cadastradas no sistema
da Polícia Federal (Sinarm)
» 13.782 armas registradas foram perdidas, extraviadas ou roubadas, o
que equivale a 11,5% das armas apreendidas pelas polícias em um ano
» As armas legais que vão parar nas mãos de criminosos representam um
mês de trabalho das polícias para retirá-las de circulação
Fontes: Denatran, CNJ, Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Câmara
dos Deputados
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