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No seu primeiro dia como presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL) declarou em
entrevista ao Jornal Nacional que, no que depender dele, “imprensa que se
comportar de maneira indigna não terá recursos do governo”.
Na ocasião, o capitão reformado afirmou ser “totalmente favorável à
liberdade de imprensa”, mas condicionou que os investimentos serão destinados
de acordo com o “comportamento” das empresas.
“Não quero que a imprensa acabe, mas no que depender de mim, na
propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira [em
referência ao jornal Folha de S.Paulo], mentindo descaradamente, não terá
apoio”, disse.
A fala do presidente eleito reverberou negativamente entre
associações de profissionais de comunicação, organizações dos direitos humanos
e entre seus próprios adversários do primeiro turno.
Em seu Twitter, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB)
afirmou que os ataques representam um “acinte a toda a imprensa e a ameaça de
cooptar veículos de comunicação pela oferta de dinheiro público é uma ofensa à
moralidade e ao jornalismo nacional”, escreveu.
Mesmo que não de forma explícita, a prática de priorizar investimentos
em veículos que tenham posicionamentos favoráveis não é nova, apesar de existir
leis que deveriam coibir esse tipo de atitude.
As mais consolidadas tomam por base que a publicidade federal deve ter o
objetivo de informar a população de assuntos de interesse público.
O artigo 37 da Constituição Federal de 1988 determina que
“a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos
públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social,
dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos.”
Outro documento, a Instrução Normativa da Secretaria
de Comunicação da Casa Civil da Presidência da República nº 7, de 19
de dezembro de 2014, estabelece o chamado “critério técnico” para o
planejamento de mídia.
O artigo 7 determina: “Usar critérios técnicos na seleção de meios e
veículos de comunicação e divulgação; desconcentrar o investimento por meios e
veículos; valorizar a programação de meios e veículos de comunicação e de
divulgação regionalizados.”
De acordo com Eugênio Bucci, professor do Departamento de Jornalismo da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, o presidente
não pode direcionar a verba publicitária para os veículos que ele quer e deve
se pautar por critérios técnicos.
“O dinheiro destinado não pode passar por nenhum critério pessoal que
avalia o desempenho dos órgãos de imprensa. O presidente pode ter sua opinião
pessoal, mas não fazer investimento de recursos públicos a partir de seus
gostos”, diz.
Ele avalia que, além do critério de audiência e alcance, a publicidade
oficial deve ser definida, como qualquer outra publicidade, tomando por base o
público que se pretende atingir – no caso de uma campanha de vacinação, por
exemplo, ao público que deve ser vacinado.
Em 2018, até outubro, o governo de Michel Temer (MDB) gastou R$
1,24 bilhão com publicidade oficial e a Rede Globo foi o principal destino.
Neste ano, suas empresas já receberam 416 milhões de reais, o que
corresponde a 33% das verbas. Em segundo lugar estão os Diários Associados, com
investimento de 118 milhões de reais, 9,5% do total, e em terceiro, a Folha de
S.Paulo, com 80 milhões de reais, 6,4% do montante.
Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, de 2009 a
2014, o gasto esteve no patamar mais alto da série histórica iniciada em 2000,
chegando ao pico de R$ 2,9 bilhões em 2013.
Determinar o que é mentira
Na entrevista ao JN, Bolsonaro revelou que as empresas que fizessem
“conteúdos mentirosos” seriam punidas, com o corte da publicidade
governamental.
Para Leandro Consentino, cientista político do Insper, o presidente
não tem o poder de determinar o que é ou o que não é uma mentira, em um meio de
comunicação. “Esse tipo de retórica é preocupante, porque quem define o
que é verdade não é o presidente”, explica.
Segundo o professor, se Bolsonaro se sentir atacado de alguma forma, ele
pode entrar na justiça, que tem mecanismos como o direito de resposta e a
indenização por danos morais.
“Definir de antemão que o conteúdo é mentira é forçar que, para se
manter, os veículos façam um papel de chapa branca para não perderem as
verbas”, conclui.
Fiscalização frágil
Na falta de regras claras para atuação da mídia e exigências de
transparência da parte do governo, o risco de que o presidente eleito não
respeite a legislação é alto.
No ano passado, Temer interrompeu um período de 17 anos de transparência
na publicidade, que desde 1999 até 2016 publicou os dados dos gastos estatais
com propaganda.
De acordo com Luiz Peres-Neto professor e pesquisador do
PPGCOM-ESPM (Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo),
há anos, a fiscalização foi diminuindo e não há mecanismos para amenizar o
problema. “Ninguém pune, ninguém faz averiguação e ninguém cobra.”
O especialista afirma, ainda, que no governo Bolsonaro a expectativa é
que as empresas possam sofrer tanto do lado financeiro quanto do lado da
reputação junto ao público.
“Ele deve adotar o lema ‘aos amigos tudo, aos inimigos nada’ e isso fará
com que as empresas se asfixiem financeiramente, além de ganhar o desprezo dos
leitores com as declarações de descrédito do presidente eleito”, conclui.
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