Piso salarial deve ultrapassar R$ 1 mil em
janeiro, mas o aumento de R$ 52 em relação ao valor atual quase nada deve mudar
na vida de quem recebe essa remuneração
Publicado em: 23/09/2018
09:34 Atualizado
Pela primeira vez, o
salário mínimo deve passar de R$ 1.000. A previsão do governo federal é de que,
em 2019, o valor suba para R$ 1.006 — R$ 52 a mais do que a atual quantia.
Apesar do fato simbólico, as pessoas que vivem com o piso salarial estão longe
de ter uma vida tranquila e, a duras penas, obtêm itens básicos de
sobrevivência. Além de trabalhadores da ativa, beneficiários do Instituto
Nacional de Seguro Social (INSS) também sofrem com a baixa remuneração.
Na prática, quem recebe o salário mínimo tem duas
opções: fazer bicos para complementar a renda ou depender de terceiros. O
vendedor aposentado José Domingos Rodrigues, 73 anos, nasceu em Portugal, mas
está há 40 anos no Brasil. Trabalhou alguns anos como motorista e se aposentou
ganhando o benefício mínimo da Previdência Social, que é equivalente aos R$ 954
do salário mínimo atual. De acordo com ele, a remuneração está muito aquém do
razoável. Tanto assim que nunca parou de trabalhar.
Para completar o orçamento, Rodrigues vende
sorvetes e doces em Taguatinga. Em casa, são cinco pessoas: ele, a esposa, uma
filha e dois netos, que são crianças. Com exceção dos mais novos, todos
trabalham para ajudar nas contas do dia a dia. “Mesmo assim, às vezes ainda
falta, e, aí, eu recorro a outros dois filhos, que não moram com a gente”,
explica Rodrigues. O aluguel do apartamento é de R$ 2.000, mais que dois
salários mínimos. O aposentado usa o benefício do INSS para fazer algumas
compras, como alimentos e remédios, por exemplo. “É uma quantia que acaba em 10
dias. Está muito abaixo do que eu e minha família precisamos, mas não há o que
fazer. A aposentadoria não vai aumentar e, por isso, tenho que trabalhar”, diz.
O vendedor afirma também que não sabe até quando
terá condições físicas para trabalhar. “Sei que a aposentadoria é um momento
para descansar e curtir a vida. Mas vou levando cada dia. Quem sabe, um dia eu
ganho na loteria”, brinca.
A auxiliar de cozinha Ana Luiza Silva de Almeida,
42 anos, sabe do aperto que é receber o salário mínimo. Não tanto por ela, mas
pela mãe, que mora na mesma casa, é pensionista e tem mais de 70 anos. A pensão
não cobre o custo dos remédios, que os postos de saúde não têm para oferecer.
Além disso, a mãe precisa de fraldas geriátricas, que custam caro. “Receber R$
52 a mais não vai resolver em nada nosso problema. Lá em casa somos eu e meu
esposo que trabalhamos, com salário comercial. Temos filhos também. Minha mãe
não tem condição de arcar com tudo de que precisa apenas com R$ 954. É
impossível”, reclama Ana Luiza.
Desprezível
A secretária Rosilaine Ribeiro, 39, da mesma forma,
precisa ajudar a mãe, também pensionista do INSS. De acordo com a trabalhadora,
aumentar o benefício previdenciário para R$ 1.006 não vai significar nada. “Ela
precisa pagar R$ 500 de aluguel e mais R$ 400 de remédios. É só fazer as
contas”, aponta. “O que sobra não dá para fazer mais nada. Obviamente, ela não
tem como sobreviver apenas com isso”, completa.
O valor do salário mínimo é definido de acordo com
o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede o comportamento dos
preços de uma cesta de produtos consumidos por famílias com renda de até cinco
salários mínimos. Segundo os cálculos do governo, o INPC deve fechar o ano com
alta de 4,2%. Mas o aumento do piso também levará em conta a variação do
Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2017, que foi de 1%. Portanto, a
correção de R$ 954 para R$ 1.006 será de 5,45%.
Segundo economistas, a correção acima do INPC
permite aumento no poder de compra dos trabalhadores, mas não o suficiente para
aliviar os compromissos financeiros. A inflação de 2019 ficará em torno de
4,11%, de acordo com o Relatório Focus — que reúne projeções de especialistas.
Se a previsão se confirmar, o ganho real será de 1,34 ponto percentual. O
economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes,
ressalta que, apesar disso, R$ 1.006 é muito pouco. “Por conta do tamanho da
remuneração, que já é pequeno, o aumento será de apenas R$ 52. O impacto na
vida das pessoas será muito pequeno e, podemos dizer, até desprezível”, diz.
Contas apertadas
Bentes explica ainda que, caso a inflação suba mais
do que o esperado, o ganho real será ainda menor. “É bom lembrar que a meta da
inflação do ano que vem é de 4,25%. Ou seja, imaginamos que o Banco Central
(BC) vai perseguir a meta. Mas a economia pode sofrer choques e o dólar, se
valorizar mais do que o esperado, como ocorreu neste ano. Tudo dependerá do
resultado das eleições também. E aí, num cenário adverso, as chances de perder
o ganho real do salário mínimo é grande.”
Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de
Economia da Universidade de São Paulo (USP), lembra, porém, que o aumento do
mínimo terá impacto grande na Previdência Social. “O menor benefício da
seguridade social tem que ser igual ao salário mínimo, que é recebido por quase
metade dos aposentados e pensionistas. Isso eleva o gasto do setor público”,
explica. O governo projeta que, a cada R$ 1 de aumento no salário mínimo, o
desembolso da Previdência sobe R$ 300 milhões. De acordo com analistas, elevar
as despesas públicas é algo bastante sensível no momento.
Em 2018, o Brasil vai completar o quinto ano
consecutivo de deficit no orçamento federal, e a estimativa é de que o rombo
acabe apenas em 2022. Neste ano, será algo em torno de R$ 141 bilhões, segundo
projeções do mercado. O problema está diretamente ligado à elevação dos gastos
obrigatórios, como o pagamento de salários de servidores e de benefícios
previdenciários — ambos ocupam cerca de 90% do orçamento.
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